Temos acompanhado com certa curiosidade notícias a respeito do turbulento e muito comentado processo de aquisição do Twitter pelo multi-bilionário sul-africano Elon Musk. Passados cerca de 3 meses do início das tratativas concretas, no último dia 8 de julho Elon Musk afirmou que está encerrado oficialmente o seu acordo para a compra do Twitter. O acordo prévio e vinculante previa a aquisição do microblog por US$ 44 bilhões, com o fechamento do capital da companhia (ou seja, passando a ser integralmente detida por Musk e sem possuir ações negociadas em bolsa). Segundo Musk, durante esse período pós-assinatura do acordo prévio, o Twitter teria violado diversas disposições de tal acordo, dentre as quais com informações “falsas e enganosas” a respeito do número de contas falsas na plataforma. Segundo notícias veiculadas, sob os termos do acordo prévio assinado, a multa rescisória é da ordem de US$ 1 bilhão para a parte que quebrar o acordo ou desistir da operação.
Durante o processo de negociação e oferta para a aquisição da companhia-alvo ocorrido no mês de abril deste ano, criou-se uma acalorada discussão sobre a forma com que a oferta de aquisição por Elon Musk foi conduzida. Isso porque ela teria sido realizada sem o consentimento prévio da administração do Twitter, o que poderia, inclusive, configurar uma oferta de aquisição hostil (hostile takeover). Na aquisição hostil, o controle de uma companhia é adquirido sem o consentimento prévio dos seus órgãos de administração (conselho de administração, diretoria etc.). Isso pode gerar (muito embora não necessariamente gere) uma série de impactos e conflitos internos e externos relacionados à vida da companhia, ao mercado em que ela está inserida, bem como às questões indenizatórias, concorrenciais, societárias, dentre outras.
A aquisição hostil pode se dar por várias maneiras, sendo a mais comum a oferta pública de aquisição de ações (“OPA”), por meio da qual a parte interessada na aquisição oferece de forma pública e regulada um valor para a aquisição das ações da companhia-alvo, nos mesmos termos e condições, acompanhado de um “prêmio”, geralmente um valor acima do valor de mercado de momento, que justifique o interesse dos acionistas em vender suas respectivas participações societárias. E, como já dito, tudo isso ocorre sem o consentimento prévio dos órgãos de administração da companhia-alvo.
Uma das formas criadas para dificultar o processo de aquisição hostil, e, ao mesmo tempo, garantir a perenidade de dispersão das ações de uma determinada companhia (evitando, assim, a criação de blocos significativos de controle) veio do direito americano, através das poison pills (pílulas de veneno, em inglês). E o que são as poison pills? As poison pills são, em breve resumo, mecanismos jurídicos que garantem a perenidade da dispersão de ações de determinada companhia e, ao mesmo tempo, dificultam a aquisição do controle de determinada companhia de forma hostil, obrigando ou praticamente forçando o interessado em previamente conversar com os órgãos de administração da companhia para uma aquisição de participação acionária consentida, colaborativa e pacífica.
No Brasil, geralmente as poison pills consistem em disposições estatutárias que estabelecem que, uma vez adquirido determinado número de ações de uma sociedade por alguma pessoa (esse número geralmente é fixado de acordo com a estrutura acionária de companhia para companhia), a pessoa interessada em tal aquisição é obrigada a realizar uma OPA com relação à totalidade de ações de emissão da Companhia. Isso geralmente faz com que essa pessoa ou desista da operação, ou aceite arcar com os custos potencialmente muito mais elevados da OPA, ou, ainda, busque negociar previamente com todos os órgãos de administração da companhia-alvo para poder tentar realizar uma aquisição mais consentida e, portanto, mais colaborativa por todos os lados envolvidos.
Apesar do nome aparentemente temerário, as poison pills podem em muitos casos, trazer benefícios à companhia, ao mercado em geral e mesmo aos acionistas minoritários, ao possibilitar a eles em muitas ocasiões uma valorização legítima nos seus ativos. Por outro lado, quando utilizadas de forma abusiva (por exemplo, sob a forma de cláusulas pétreas em estatutos), podem colocar em xeque os mesmos direitos dos acionistas minoritários, ao restringir em demasia o legítimo direito de poder vender seus ativos de uma forma que eventualmente lhes beneficiaria. Aliás, administradores de companhias foram, em diversas transações no passado, acusados de abuso desse mecanismo para proteger seus respectivos cargos, uma vez que a aquisição de uma companhia por outra frequentemente implica a troca da administração da companhia recém adquirida.
No caso do Twitter e de Elon Musk, aparentemente as acusações estão longe do fim e devem seguir a partir de agora nos tribunais. Isto porque a referida multa de desistência no valor de US$ 1 bilhão se aplicaria no caso de uma desistência injustificada (ou seja, sem que a outra parte tivesse dado causa). Musk, por sua vez, alega que a desistência foi plenamente motivada pelas diversas falhas do Twitter em cumprir com o acordo prévio, acima discutidas. Além disso, a administração do Twitter já afirmou publicamente que pretende exigir judicialmente que Musk honre com a transação nos estritos termos previamente acordados, o que inclusive poderia tornar a multa inaplicável ou pouco relevante, diante de montantes e obrigações certamente ainda mais expressivas sobre a mesa. A única certeza, no momento, é de que as cenas dos próximos capítulos surgirão por muitos e muitos meses adiante.
Por João Jungmann
Sócio-fundador do Cianciarullo e Jungmann Advogados